O efeito benéfico dos psicoestimulantes – Ritalina, Concerta ou Venvanse – é apenas transitório. Dura algumas horas, tempo no qual a droga permanece na corrente sanguínea. Assim, é necessário usar sempre, eventualmente até mais de uma vez por dia, para garantir os efeitos. Isto significa que você se tornou dependente?
Depedência – Riscos no uso dos remédios para TDAH – Déficit de Atenção / Hiperatividade

É daí que surgem dúvidas sobre dependência, dentro desta sequência de perguntas: (1) Se o TDAH não tem cura e (2) se o efeito da droga somente dura por algumas horas e (3) se passado o efeito todos os sintomas retornam e (4) se eu “preciso” tomar mais uma dose, isto é uma forma de dependência?
Para estas respostas, três perguntas serão antes respondidas. O que é dependência química, quais os critérios objetivos e científicos usados para classificar alguém como “dependente” e quais os graus de intensidade da dependência.
O que é Dependência Química?
Dependência tem dois significados. Um deles é técnico e refere-se a uma consequência do abuso de drogas. A Dependência Química é considerada um transtorno psiquiátrico. O outro significado de dependente é “alguém que precisa de algo”.
Assim, será que precisar usar um remédio dia após dia, com a percepção nítida que ele é necessário e sentindo-se mal sem ele é também estar dependente? Apresentarei então o que é dependência química, para depois comparar ao uso dos psicoestimulantes e também compartilhar as experiências que tenho acumulado com meus pacientes.
Quando se fala em dependência, vêm à mente imagens de dependentes de drogas de rua, em crise de abstinência, loucos por mais uma (tragada, cheirada, injetada) que traga alívio. De acordo com o DSM V – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), da APA – American Psychiatric Association, há onze critérios objetivos para que alguém seja classificado como dependente químico, para serem usados em conjunto com uma escala de Graus de Dependência.
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Critérios para Dependência
- Uso em quantidades maiores ou por mais tempo que o planejado
- Tolerância ao uso (não se consegue o mesmo efeito)
- Abstinência (mal-estar quando se fica sem a droga)
- Desejo persistente ou incapacidade de se controlar (parar de usar)
- Fissura (desejo muito forte ou urgência em usar a droga)
- Gasto importante de tempo em atividades para obter a substância
- Prejuízo às atividades sociais, ocupacionais ou familiares devido ao uso
- Continuar o uso apesar de apresentar problemas sociais ou interpessoais
- Restrição do repertório de vida em função do uso (deixa de fazer coisas importantes)
- Manutenção do uso apesar de prejuízos físicos
- Uso em situações de exposição a risco
Intensidade da Dependência
- Leve – 2 a 3 critérios, pelo período de um ano
- Moderada – 4 a 5 critérios, pelo período de um ano
- Grave – 6 a 11 critérios, também por um ano
Tendo conhecimento do que caracteriza a dependência química, fica claro que o uso dos psicoestimulantes, desde que controlado e sob orientação médica, não configura dependência química. Não se tem relatos frequentes, em pacientes que tomem os cuidados básicos de seguir a prescrição, de prejuízos à vida social e profissional pelo excesso de uso, ou fissura incontrolável.
Ao mesmo tempo, há sim algumas queixas bem comuns, situações que são vistas com desconfiança pelos pacientes. São elas: (1) o efeito tão intenso e surpreendente dos primeiros dias de uso da droga desaparecem em pouco tempo, o que leva a aumentar a dose, (2) percepção de piora dos sintomas quando não se toma o remédio – quer dizer, não é simplesmente voltar ao estado dos sintomas iniciais, (3) dependência psicológica e (4) precisar para sempre.
Não faz mais o mesmo efeito, preciso aumentar a dose?
Sobre aumentar a dose, são dois pontos importantes. Primeiro, a introdução ao psicoestimulante deve ser feita de maneira gradual, para segurança do paciente e também para evitar os efeitos colaterais mais incômodos. Portanto, até o acerto da melhor dose para aquele paciente, poderá sim haver aumento da dose. Isto, por si só, não quer dizer que se está desenvolvendo “tolerância”, similar às drogas de abuso – o corpo “acostumar” com aquela quantidade de droga em em pouco tempo precisar de mais.
Contudo quando se toma o remédio numa dosagem muito maior que a indicada, por conta própria, sem conhecimento do médico – são sinais sérios que uma dependência está se formando, ou mesmo que já esteja formada.
O que torna o acerto da dosagem tão perturbador é que, logo ao aumentar a dose, tem-se de fato a impressão que se alcançou o ideal, em termos de concentração, foco e capacidade de sustentar o esforço. Porém, passado pouco tempo esta sensação de maior energia e motivação desaparece.
Isto é de fato esperado – a euforia inicial é um dos efeitos colaterais e realmente irá desaparecer. É justamente este bem-estar que NÃO faz parte do uso terapêutico do psicoestimulante – é aquilo que ele compartilha com as drogas de abuso que interferem com o sistema da dopamina, que são todas as anfetaminas e a cocaína.
É esperado que a euforia, maior entusiasmo, energia e motivação do início do uso (ou imediatamente posterior ao aumento da dose) desapareça. Ela é apenas um efeito colateral de qualquer droga que interfira com o sistema do neurotransmissor dopamina. E é justamente devido a este aumento da euforia que todos os psicoestimulantes são classificados como drogas com potencial de abuso e sujeitos a tantas restrições em sua comercialização.
“Vontade de aumentar a dose”
Há um segundo ponto importante. A “vontade” de aumentar a dose pela expectativa de resultados maiores ou por não ter se conseguido resolver todas as necessidades. É preciso alguém com bastante experiência para saber quando se alcançou este ponto, para diferenciar o quanto das queixas ainda não resolvidas poderiam ser alcançadas por um novo ajuste de dose.
O TDAH necessita um tratamento multi-dimensional. A medicação tem efeito positivo sobre a concentração, foco e redução da agitação mental, porém dentro de certos limites. A partir de um dado ponto, não adianta esperar aumentar a dose para melhorar um pouco mais o desempenho, seja nos estudos ou no trabalho. Neste caso, é preciso investir mais nos tratamentos paralelos, como uso de suplementos nutriocionais, Coaching, Psicoterapia Comportamental-Cognitiva, Brain Fitness – Ginástica Cerebral e Brain Entrainment – Estimulação Cerebral.
Se deixo de tomar a Ritalina, Concerta ou Venvanse, sinto pior que antes…
Aqui está um dos aspectos mais intrigantes dos psicoestimulantes, que deixam os usuários bem incomodados. Eu mesma, desde que iniciei o acompanhamento dos pacientes há mais de 12 anos atrás, aceitei por um bom tempo a teoria apresentada pelos médicos e pela própria indústria farmacêutica que após o término do efeito, os sintomas apenas retornavam, sem mais prejuízos.
A experiência me ensinou o contrário. Conforme o contato com os pacientes ficou cada vez mais extenso, com mais e mais casos, pude certificar que a queixa de piora após a interrupção da medicação é bem significativa. Independente do que ocasionou a parada na medicação – ou por falta de remédio no mercado, como há alguns anos aconteceu com a Ritalina (ninguém conseguia encontrar para comprar), ou intencionalmente nas férias, final de semana ou mesmo sem motivo especial, apenas por não querer usar a droga para sempre.
As queixas mais comuns ao deixar de tomar a Ritalina, Concerta ou Venvanse são de cansaço extremo, falta de energia, muita dificuldade em fazer esforço mental – não é exatamente aumento das distrações, é mais um desgaste mental no qual até mesmo pensar se torna custoso. Como se “o pensamento tivesse cola”, dito por um paciente.
Ocorre um efeito de abstinência do psicoestimulante, decorrente de uma alteração abrupta na neuroquímica cerebral. Ou seja, mesmo que efeito de curto prazo (os ganhos em concentração, por exemplo) se mantenham por período limitado, o uso da droga vai gradualmente alterando a maneira do cérebro funcionar, de modo que ele passa sim a estabilizar num patamar diferente, já contando com a droga para trabalhar. E, em sua ausência, não consegue sequer retornar ao patamar anterior.
Certamente esta abstinência não se dá com a intensidade que seria encontrada com outras drogas de abuso, como qualquer das anfetaminas ou a cocaína. Mas é, no meu entender, um indicador de abstinência. Também por isto se justificam todos os cuidados com o uso destas drogas, a tarja preta e as restrições da prescrição e comercialização, especialmente em se tratando de crianças.
E como fica a Dependência Psicológica?
Quanto ao risco de dependência psicológica, é um fato bem observado e comprovado. Hoje, sabe-se que jovens tem mantido comprimidos de Viagra na carteira, só para garantirem-se caso alguma coisa dê errado – isto mesmo, jovens sem qualquer tipo de disfunção sexual. E, como bem se sabe, a própria insegurança é um fator de risco para falhar na relação.
Psicoestimulantes podem causar dependência psicológica. O uso da medicação traz a experiência de ser capaz, de maior segurança, coisa que a pessoa pode nunca ter vivenciado anteriormente. Diante disto, na impossibilidade do uso, pode acontecer uma crise de ansiedade, insegurança e preocupações antecipatórias, que por sua vez colocam em risco a tranquilidade mental, a concentração e o foco. Tudo isto somado ao que falei acima sobre o cansaço extremo, dificuldade de fluência do pensamento e da concentração.
Eu já acompanhei situações como esta, ou em períodos de falta de Ritalina no mercado. Já ocorreu tantas vezes que, no Google, há palavras-chave para todos os anos – falta de Ritalina no mercado 2011, 2013, 2014, 2015, falta de Venvanse 2016, 2019, 2020… Vários dos meus pacientes, depois de passarem por isto, resolveram reduzir significativamente ou abandonar a medicação.
Precisarei de remédio para sempre?
Considerando o significado mais amplo de dependência, pode-se dizer que: sim, é possível ter dependência de psicoestimulantes. Certamente não no sentido da dependência química estrita, mas como alguém que de fato não vive bem sem ela.
Vamos pensar alguns exemplos bem distantes do mundo das drogas. Por exemplo, usar ar condicionado. Nestes tempos de aquecimento global, você se habitua ao agradável geladinho de uma sala bem resfriada. E não consegue mais viver bem sem o ar condicionado. Seria dependência? Não, mas claramente uma preferência. A pessoa consegue viver, mesmo que não tão bem, sem riscos ou prejuízos significativos.
O caso da diabetes é mais interessante, inclusive porque comparado ao TDAH por vários médicos. A diabetes pode ser controlada com medicação e este controle faz muita diferença – é uma doença que, se não tratada, coloca a vida da pessoa em risco. Não se trata apenas de ser mais feliz ou ter maior desempenho no estudo. Tratar a diabetes é algo inquestionável. Ainda mais porque ela responde bem ao tratamento medicamentoso. Neste ponto, há similaridades com o TDAH. É preciso tomar remédio para sempre, para manter uma boa condição de vida. Não se fala em dependência no sentido negativo.
No caso do diabetes, há um outro ponto essencial, igualmente necessário para o TDAH. Ninguém que tenha diabetes ou qualquer outro problema de saúde, física ou mental, que seja crônico – de longo prazo, que não possa ser curado definitivamente – deveria fazer o manejo dos sintomas (já que não se pode curar) apenas com uso de medicação.
Toda condição crônica exige mudanças de estilo de vida. Ninguém, racionalmente, acredita que seria aceitável tomar remédio para diabetes e logo em seguida tomar refrigerantes, bebidas alcoólicas, empanturrar-se de doces, pizzas ou fast-foods altamente calóricas.
E voltamos então para a questão do “para sempre”. Em muitos casos, a mudança de estilo de vida permite dispensar o uso de medicação, que seja depois de algum tempo, quando o período mais crítico do tratamento foi vencido. O mesmo vale para o TDAH. Não há como ter ganhos sustentados sem desenvolvimento de estratégias, mudanças comportamentais, mentais e de estilo de vida.